Conferência debate impacto das medidas no mercado
"O novo Pacote Regulamentar"
Anunciado pela Comissão Europeia em setembro de 2013, o "Connected Continent: Building a Telecoms Single Market" foi aprovado no início de abril pelo Parlamento Europeu com múltiplas alterações em relação à proposta original. E se a CE antecipa obter os acordos finais até final deste ano para que as medidas sejam implementadas já em 2015, há muitos stakeholders que colocam em dúvida este calendário. O pacote está agora a ser apreciado no âmbito do Conselho da Europa e poderá conhecer atrasos, dado que as eleições europeias se vão realizar no próximo dia 25 e a nova Comissão Europeia deverá ser nomeada mais para final do ano. Ou poderá mesmo voltar à ‘estaca zero', como advertiram alguns dos participantes da Conferência da APDC, que visou analisar os objetivos de Bruxelas e o impacto do pacote no mercado europeu.
A CE apresentou a sua proposta de nova regulamentação para as comunicações com vista a criar um mercado único das comunicações no espaço europeu totalmente harmonizado. O que na sua ótica permitiria dotar a economia de ferramentas e redes para crescer e inovar, assim como criar emprego e promover o crescimento económico. Permitindo, em paralelo, a EU possa voltar a posicionar-se como líder global do mundo digital. Para isso, definiu um vasto conjunto de medidas que, na sua opinião, reduzirão custos, simplificarão a burocracia, promoverão o investimento e garantirão mais direitos e deveres. Extinção dos custos de roaming no espaço europeu até 15 de dezembro do próximo ano, a proteção da neutralidade da internet e eliminação das chamadas internacionais dentro da EU são medidas efetivas, assim como a simplificação das regras, gestão coordenada de espectro e novos direitos para os consumidores, entre outros.
Mas esta proposta não está a ser bem aceite pelo mercado. Nomeadamente pelo BEREC, o regulador europeu das comunicações, que reúne no seu seio os reguladores setoriais de todos os mercados domésticos. Segundo Antonio De Tommaso, do BEREC, este pacote foi apresentado sem qualquer consulta pública, a meio do verão passado, sem qualquer estudo do impacto das medidas preconizadas no mercado em concreto. E que promove uma forte concentração de poderes em Bruxelas, num ‘novo conceito de regulação pan-europeia' centralizada. Acresce que a proposta promove a consolidação do mercado europeu, como resposta à competição global. Este responsável defende que a proposta não é ‘apropriado aos objetivos", nem mesmo depois das alterações recentes aprovadas pelo Parlamento Europeu, que vieram responder a alguns dos receios, mas não a todos, havendo ainda muito espaço para melhorias e para abordagens alternativas, que o BEREC pretende promover.
Numa sessão de perguntas e respostas com o representante do BEREC, moderada por Luís Pais Antunes (PLMJ) e Margarida Couto (VdA) , ficou claro que se entende que a CE está a favorecer claramente a existência de operadores de dimensão europeia, enfraquecendo a existência dos operadores de menor dimensão. Uma situação em que o BEREC se sente ‘pouco confortável', até porque não concordam com a posição da CE de que a Europa está a perder terreno no cenário mundial das comunicações. Qualquer regulação comunitária e qualquer harmonização de regras terá sempre que ter em conta as características de cada mercado doméstico, uma vez que o ritmo de desenvolvimento é muito diferente.
Dos consumidores aos operadores
Uma área que que todos admitem que a proposta da CE é muito forte é na defesa do consumidor. De uma forma até excessiva, defenderam alguns dos participantes na Conferência. Sendo certo que ainda se está muito longe da versão final do novo pacote regulamentar, medidas como a eliminação das tarifas de roaming no espaço comunitário, a neutralidade das redes e os contratos-tipo vêm reforçar largamente os direitos dos consumidores de comunicações. Na sessão sobre "Impactos para o Consumidor", moderado por Octávio Castelo Paulo (SRS) e onde participaram Carlos Liz (IPSOS APEME), José Legatheaux (FCT-UNL) e Teresa Moreira (Direção Geral do Consumidor) considerou-se que medidas como neutralidade das redes ou a eliminação das barreiras tarifárias nas comunicações no espaço europeu são benéficas para o utilizador. A questão é saber qual o impacto que terão nos operadores e na sua capacidade de investimento em redes e serviços, assim como na promoção da concorrência e da competitividade.
Já na Sessão sobre "Impactos para os Operadores", moderada por Nuno Peres Alves (LGTS), participaram Cristina Perez (Vodafone), Filipa Carvalho (NOS), Pedro Gaspar (PT Portugal) e Paulo Valente (Cable Europe). E aqui, as opiniões dividiram-se em relação a alguns temas, tendo em conta a dimensão dos operadores que representam. O representante da Cable Europe destacou que o processo começou logo mal, sem possibilidade de escolha de tema e sem um processo eficiente e racional. Mas o Parlamento Europeu ‘deixou cair uma parte das propostas da CE'. Até porque se duvida que muitas das propostas possam beneficiar o consumidor. Com o pacote agora nas mãos do Conselho Europeu, que o está a ‘analisar com muita calma', tudo poderá acontecer depois das eleições para o Parlamento Europeu.
Representando um grupo pan-europeu e mundial, a representante da Vodafone considera o diagnóstico e a análise feita pela CE "razoável e equilibrado" e os "objetivos subjacentes meritório", nomeadamente a criação e emprego, o reforço do investimento, a inovação e o crescimento económico. Entre os aspetos positivos, está a política harmonizada de espetro, que obrigará a uma grande coordenação entre reguladores no BEREC. Assim como a autorização única para operadores e reforço da preocupação com os consumidores. Destaca contudo que há aspetos que "poderão ter consequências muito negativas", nomeadamente a abordagem às operações de consolidação e o roaming, onde se "ignoram completamente diferenças entre os mercados e respetivo poder de compra", o que vai "criar um problema grave".
Já Pedro Gaspar, da PT Portugal, considera que "processo seguido para esta proposta de regulamento foi um erro, que quebrou de imediato a confiança dos agentes na CE", colocando em risco "vários princípios fundamentais do quadro regulatório, como o principio da transparência ou a proporcionalidade das medidas". Acresce "a centralização do poder de decisão na CE, que é absolutamente ao contrário ao que o setor precisa. No fundo, fez-se "uma espécie de um curto-circuito" com a imposição de uma solução única a todos os mercados. E vai ainda mais longe, destacando que este pacote "é um exemplo concreto de como não legislar, representando um ataque à soberania dos Estados-membros".
Também Filipa Carvalho, a NOS (a ex-Zon Optimus) não concorda com esta "visão muito própria da CE do que é a Europa e as telecomunicações. Aplicar as mesmas regras não corresponde à verdade". E se os princípios em si não têm qualquer problema, o problema, a especificidades das regras é que preocupa. Assim como a concentração de poderes na Europa, que é "um erro", já que deixa de "haver uma regulação real e próxima do mercado, como é a regulação nacional". Este tipo de intromissão da CE no mercado não beneficia ninguém", sendo uma verdadeira "intromissão da CE".
Reguladores contestam pacote e temem impacto
A presidente da Anacom, no Encerramento desta Conferência, destacou o papel fundamental desempenhado pelo BEREC na negociação deste pacote e na sua alteração. Deixando claro que o pacote é visto como "uma ameaça e uma preocupação muito grande ao que é a regulação na Europa", Fátima Barros salientou que este é um tema que continuará a gerar muita polémica. Até porque nada está provado em termos de impacto das medidas, nomeadamente na promoção do investimento, na criação de emprego e no crescimento da economia. "Acreditamos que o resultado vai ficar muito aquém das expectativas iniciais da CE, porque há muitas fraquezas no regulamento", refere. E lança vários alertas. Como a CE estar a "desenvolver um regulamento único para um mercado que não é único. Temos 28 mercados diferentes". Ou os impactos negativos da extinção do roaming, nomeadamente ao nível dos mercados domésticos.
Mais, a líder da Anacom defende que a fragmentação dos mercados domésticos não constitui um entrave ao mercado único. E, apesar as assimetrias entre países, a Europa continua a posicionar-se na liderança das comunicações mundiais. "Existem desafios, mas colocar como objetivo regulatório a competitividade pode pôr em causa os ganhos competitivos dos últimos 10 anos", destaca. E a tendência atual para a consolidação dos operadores não pode ser feita em detrimento da concorrência. É que" a escala só por si não assegura a competitividade. Esta depende muito mais da capacidade inovadora das empresas". Convicta de que os mercados continuam a ter uma dimensão nacional, Fátima Barros garante que a regulação sectorial está na base da construção do mercado único. Sendo as diferenças nacionais a aplicação das regras europeias às especificidades de cada mercado. "A proposta legislativa suscita grande preocupação, porque altera as bases do quadro regulamentar atual sem medir consequências", quando a" legislação tem que ser um conjunto coerente e consistente de leis e regras adequadas ao mercado", com os reguladores setoriais a garantirem a promoção do investimento, a competitividade e a inovação, sempre comum olhar atendo nos consumidores.
Vai acontecer na APDC
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