A aceleração da transformação para o digital e a definição de novos modelos de negócio é uma realidade em quase todos os setores de atividade. Numa conjuntura de enorme instabilidade, as empresas têm de saber como podem responder às profundas e constantes transformações do mercado. Dos fornecedores tecnológicos, esperam velocidade, capacidade de resposta e qualidade para conseguirem reforçar rapidamente a relação com os seus clientes, que são cada vez mais exigentes e digitais. Humanizar a tecnologia é um dos desafios.
A inovação surge como a prioridade chave das empresas para 2021, como forma de ultrapassar as dificuldades que foram criadas pela pandemia da Covid-19. Esta é uma das conclusões que se pode retirar do
survey realizado pela APDC e pela Altran às prioridades de negócio, a que responderam um total de 250 organizações de 10 indústrias: aviação, automóvel, banca/seguros, saúde, energia/utilities, retalho, AP, telcos e transportes.
De acordo com Bruno Casadinho, que apresentou os resultados desta iniciativa no arranque do webinar sobre "2021: Business Priorities", 47% consideraram a inovação a sua prioridade, diferenciando desta forma o posicionamento atual do que marcou a crise anterior, onde o foco assentou na forte redução dos custos. Entre os fatores críticos de sucesso que anteveem para o próximo ano estão a capacidade de escalar os negócios (para 38% dos inquiridos), o que segundo o COO e Executive Board Member da Altran, "mostra que grande parte da inovação está associada à capacidade de escalar os modelos de negócio para formatos cada vez mais digitais ou para a autonomia das operações".
O
survey revela ainda que entre as características que as empresas mais valorizam nos parceiros tecnológicos estão: a qualidade, encarada como possibilidade de diferenciação face à concorrência; a capacidade de resposta, sobretudo na oferta de soluções de curto prazo; e a eficiência, enquanto fator de agilidade para responder aos desafios do mercado.
As conclusões do trabalho, na perspetiva do gestor, apontam para uma retoma económica em K, uma vez que o impacto da Covid-19 sobre os negócios e indústrias não é uniforme. Há setores que continuam a registar uma forte procura, em paralelo com uma forte transformação (AP, banca/seguros, saúde e telcos). Há outros que, apesar do contexto difícil, não alteraram muito os seus modelos de negócio em tudo o que tem a ver como transformação digital e eficiência (energia/utilities, manufatura e automóvel). E há os que registam uma quebra abrupta da procura e baixa transformação, com impactos brutais na redução de serviços (transportes, retalho e aeronáutica).
Em setores mais tradicionais como os seguros, por exemplo, os tempos conturbados da pandemia criaram uma necessidade crescente de estar mais perto dos clientes e de manter com eles uma relação. Na opinião de José Neves, Chief Product Office da Allianz, quer através dos intermediários quer diretamente, as empresas do setor passaram a apostar muito mais na jornada do cliente, que tem cada vez mais de ser vista de forma muito diferente, pois está em mudança para o digital.
Por isso, na sua opinião, "o grande desafio passará por acelerar a transformação digital e organizacional das seguradoras. Estas têm de olhar para o digital não como uma forma de resolver problemas de eficiência interna ou de poupança de custos, mas como como uma nova forma de olhar para o cliente e como uma solução para o futuro". É exatamente o que está a ser feito na Allianz, tendo como meta tornar a jornada do cliente numa experiência cada vez mais positiva.
Marco Costa, General Manager EMEA da Talkdesk, tecnológica cujo negócio é a oferta de software na cloud para criar call centres, revê-se nesta posição. "Acreditamos que a experiência do cliente é, de facto, uma vantagem competitiva e um fator de sobrevivência das empresas nos próximos anos", porque os clientes são mais exigentes e estão a mudar comportamentos, garante.
E isso é visível pelo que aconteceu na tecnológica. Se no início da pandemia, a prioridade foi colocar as pessoas em casa, rapidamente a Talkdesk avançou com o apoio às empresas quer as já clientes quer novas) que "procuraram escalabilidade para reforçar o número de contactos, assim como uma solução robusta para trabalhar a partir de casa, mas garantindo a proximidade dos clientes e a personalização do serviço". A flexibilidade foi outra necessidade detetada para permitir o contacto rápido com os clientes, assim como a redução de custos, em muitos casos até por uma questão de sobrevivência.
"Estamos a assistir a uma mudança muito grande na forma como a tecnologia suporta a operação de costumer experience e a uma adoção muito grande de soluções da cloud. Acreditamos que isto vai continuar porque é uma tendência tecnológica muito forte", diz Marco Costa. É por isso que a Talkdesk acredita que está "do lado de cima do K. Mas não nos iludimos, porque ninguém sabe muito bem ainda o que vai acontecer nos próximos tempos. Há muita incerteza. O cenário é naturalmente otimista, mas olhamos para as previsões e para a execução ao dia e à semana, para perceber como podemos reagir e adaptarmo-nos ao que são as necessidades e o impacto que a pandemia está a ter nos nossos clientes atuais e nos novos".
UM EXERCÍCIO COMPLEXO
Olhar para 2021 e antecipar como é que a pandemia poderá alterar a forma de fazer negócio é um exercício complexo para o gestor, apesar das recentes notícias positivas sobre as vacinas. Será mais um "ano estranho", ainda de confinamento e de constrangimentos. Mas, independentemente do que acontecer, há na perspetiva de Marco Costa, várias certezas. A pandemia alterou para sempre a forma como se consume que é cada vez mais digital, com todos à espera de uma hiperpersonalização da jornada. Uma realidade que mudou, também para sempre, a forma de fazer negócios e a forma como se trabalha.
Acresce que cerca de 93% dos clientes acham que cada interação com uma marca tem de ser excelente, senão mudam para outra; que 87% vão comprar a empresas que conhecem; e que um terço dos clientes mudam de marca com uma má experiência. "Todas as interações e contactos contam", garante, porque "as opções continuam a aparecer como cogumelos. A comunicação tem de estar lá", assegura.
Estas certezas representam para a Talkdesk uma boa notícia, tendo em conta que 85% dos clientes que precisam de um contact centre ainda estão em funções on premise mas estão a mudar muito rapidamente. Para dar resposta à procura, a empresa fez em meados do ano uma ronda de financiamento para garantir capital para investir e estar próximo dos clientes, continuando a crescer.
Na Allianz, a aposta na jornada do cliente é também central para garantir o futuro, proporcionando-lhe boas experiências em todos os momentos de contacto. "O primeiro contacto é fundamental para a atividade seguradora, assim como focar no que realmente sabemos fazer bem: vender seguros e dar soluções às pessoas em termos de segurança", destaca José Neves.
Por isso, defende a existência de soluções padronizadas, para que o cliente seja cada vez mais autónomo na sua decisão, em paralelo com a oferta de micro-soluções, baseadas na necessidade específica do cliente, os denominados seguros on-demand, que "não serão fáceis, obrigando a muita tecnologia". A rede de agentes, que tradicionalmente fazia o contacto com o cliente, terá também de se transformar digitalmente e alterar o modelo de negócio, passando a ser uma espécie de consultor.
TECNOLOGIA E TALENTO SÃO INCONTORNÁVEIS
Questionado pela host do evento, Sandra Fazenda Almeida (Diretora Executiva da APDC) sobre o papel da tecnologia e do talento no futuro dos negócios, Bruno Casadinho considera que são ambos incontornáveis. Mas garante que o desafio não estará na tecnologia, onde a diversidade de opções é enorme, e sim nas soluções que se conseguirão construir em cima da tecnologia. "Isto sem talento é uma equação impossível de resolver", diz, destacando que a escassez de talento tecnológico dos últimos anos e a pandemia levou à adoção de novas soluções pelas empresas.
Mas será que a aposta na inovação resultou da pandemia ou foi apenas reforçada? No caso da Altran, sendo uma fornecedora de serviços de tecnologia e engenharia, não vive sem inovação, como explica o seu COO. O que mudou foi o facto de os clientes esperarem que o resultado dessa inovação traga valor para os seus negócios num timeframe muito mais curto do que antes, o que lhe coloca um fator adicional de pressão.
Mas não restam dúvidas de que a aceleração digital está mesmo a acontecer e quem não a souber acompanhar ficará pelo caminho, porque aparecerá alguém que lhe retirará a relevância e a competitividade. A necessidade de expansão digital tem de acontecer, garante Marco Costa, porque só ela permitirá contactos personalizados e tomar as decisões certas, percebendo que tudo está a mudar.
Para Bruno Casadinho, "humanizar a interação digital é o desafio" e, na Altran, a aposta foi lançar um novo programa de training para as equipas de business, para lhes dar as skills para poderem fazer engagement com clientes à distância. "Acreditamos muito em tecnologia, mas tem que ser complementada com capacidades humanas" diz.
Marco Costa destaca alguns temas na humanização da tecnologia, como o facto de as ofertas tecnológicas serem opções dadas aos clientes, que têm de ser usadas de forma adequada a cada caso concreto. Caberá aos fornecedores ajudar os clientes a encaminhar as soluções porque "as tecnologias são muito úteis, mas temos que ter cuidado como as usamos". A forma como se usam os dados também assume muita relevância, nomeadamente no contacto com o cliente via contact centres.
A tomada de decisão sobre a estratégia de negócio em contexto de incerteza foi distinta. No caso da Allianz, "conseguir fazer um plano para 2021 na atividade seguradora foi um exercício único. Com este nível de incerteza, numa atividade tão relacionada com a economia, é difícil. Mas focámo-nos no que sabemos fazer bem, que é a segurança, e em manter muito próximos de nós os nossos clientes, tentando dar-lhes as respostas que mais precisam e procuram", explica José Neves.
Já na Talkdesk, "a verdade é que não precisaram de mudar muito na forma como operavam, porque já eram uma empresa comercialmente distribuída. Continuámos a investir em soluções. Os clientes não querem grandes projetos de investimento, preferem soluções mais ágeis e rápidas, como menos tempo para go live, projetos de dias e semanas, porque ninguém sabe o que vai acontecer daqui por um ano", avança Marco Costa. A grande alteração ocorreu na área de marketing, que teve de ter reinventada para a componente digital.