O DSA está prestes a entrar em vigor. Com o lema de que o que é ilegal onffline deve ser ilegal online, é uma peça central num puzzle complexo de regras para o mundo digital. Pretende-se harmonizar regras e tornar o mercado europeu mais competitivo, protegendo em paralelo os utilizadores do online. A complexidade é grande e há ainda muito por clarificar num novo pacote regulamentar que se vai aplicar a todos os players do ecossistema digital, tenham dimensão global ou apenas local. Certo é que todos se estão a preparar para o que consideram ser um grande desafio e que têm ainda múltiplas dúvidas em muitas matérias.
Estas foram algumas das principais ideias do mais recente webinar do ciclo ‘Digital Union,' uma parceria entre a APDC e a VdA, onde foi debatido o Regulamento dos Serviços Digitais ou Digital Services Act (DSA), que deverá ser publicado no Jornal Oficial da UE no início de novembro.
O DSA integra, como o Digital Market Atc (DMA) um pacote regulatório para o digital no espaço europeu cujo objetivo é "promover o crescimento do mercado digital na Europa, mas de forma a que as empresas se tornem competitivas e tenham uma concorrência sã e que haja transparência, uniformidade e proteção a quem usa o digital", como salientou Fernando Resina da Silva - Sócio da Área Comunicações, Proteção de Dados & Tecnologia e Responsável da Área PI Transacional da VdA, na abertura deste encontro.
Explicou ainda que em Bruxelas o paradigma é agora o dos "regulamentos que se aplicam diretamente nos países", para garantir uma "regulação mais rápida, mais eficiente e uniformizada. A legislação tem de ser rápida a intervir, porque a tecnologia evolui muito rapidamente. Estamos a assistir a um movimento mais musculado da UE na regulação e não se vê que possa ser de outra forma, para ter um mercado resiliente, sustentável e em crescimento".
REGRAS DENSAS E COMPLEXAS
Numa breve apresentação do DSA, Tiago Bessa - Sócio da Área Comunicações, Proteção de Dados & Tecnologia e da Área PI Transacional da VdA começou por destacar que se trata "de uma tarefa um pouco árdua falar de um regulamento tão denso e complexo. Quanto mais leio, mais inquietações, dúvidas e mais problemas tenho", embora ainda não seja pública a versão final do regulamento, que aguarda a sua publicação no Jornal Oficial da UE, o que deverá acontecer no início de novembro.
Tiago Bessa diz ser "inequívoco que estamos a assistir - com este diploma e o conjunto de diplomas que têm surgido - ao início de uma nova era de regulação digital. É evidente que a CE está numa corrida para a regulação da internet e tem tomado a iniciativa, para procurar tomar a dianteira e ultrapassar outras congéneres no mundo". Mais: "existe a preocupação e a tensão de evitar que as grandes organizações que dominam o ecossistema digital e que têm impacto na economia europeia possam atuar na UE sem regras".
Por isso, avançou-se com um conjunto de regras e obrigações a cumprir por todos os atores do ecossistema digital e, neste âmbito, os "objetivos do DSA são completamente compreensíveis: harmonizar regras e tornar o mercado interno mais competitivo, com sacrifício severo para os estados-membros, porque perdem soberania, já que não podem legislar em matérias que possam ser incompatíveis com o regulamento".
Mas o DSA não é o único diploma a ter em conta e sim "uma peça, central e fundamental, num puzzle bem mais complexo", que envolve múltiplos diplomas sobre um conjunto de matérias fundamentais, desde legislação europeia sobre conteúdos ilegais, serviços audiovisuais, DMA, comércio eletrónico e direitos do autor, além da legislação específica nacional. "Tudo tem de ser integrado", diz o responsável da VdA.
Centrando-se em concreto no documento, que tem um âmbito de aplicação muito amplo e "muita leitura, até se conseguir chegar à interpretação correta do que se pretende", começa por destacar os destinatários, ou seja, os prestadores de serviços intermediários, que abrange um leque muito vasto, desde os prestadores de transporte (ISP), até aos motores de pesquisa e às redes sociais e lojas de aplicações. Sejam eles prestadores europeus ou os que oferecem serviços a utilizadores da UE.
Do regime de responsabilidade, onde houve meras alterações de cosmética, até à neutralidade na prestação de serviços, considerada fundamental, há regras genéricas e regras específicas definidas para cada tipo de prestador de serviço, algumas das quais não são ainda claras ou estão numa linha ténue de fronteira entre o que é permitido e proibido. E no que respeita aos prestadores de muito grande dimensão, Tiago Bessa diz mesmo que existe "pelos riscos que envolvem para o ecossistema digital", um verdadeiro "emaranhado de obriga��ões".
Já em termos de regulação e fiscalização, não tem dúvidas de que o DSA trará um regulador para o mundo digital. Em Portugal, até pelo seu histórico, deverá ser a Anacom a assumir essa função, passando a deter "poderes muito significativos de inspeção e supervisão". A decisão caberá ao Estado, que terá ainda de definir "as regras relativas à aplicação e sanções, num quadro que prevê coimas altíssimas, para garantir que as obrigações serão cumpridas".
De acordo com os timings definidos, após a publicação no Jornal Oficial da UE, prevista para o início de novembro, a entrada em vigor do DSA ocorrerá 20 dias depois. Nessa altura serão aplicadas de imediato algumas obrigações, como a publicação do número médio mensal de destinatários, sendo que quatro meses depois da notificação pela CE, as regras se aplicação aos prestadores de muito grande dimensão. Estes terão ainda de ser identificados por Bruxelas. O documento será aplicado na integra nos estados-membros 15 meses após a sua entrada em vigor, o que deverá acontecer em janeiro ou fevereiro de 2024.
PLAYERS PREPARAM-SE PARA O IMPACTO
Entretanto, há vários prestadores de serviços de diferentes características e dimensões que já se estão a preparar para as novas regras. Todos admitem que a implementação do DSA será um enorme desafio, que vai exigir muito trabalho e que levanta ainda muitas dúvidas em relação a parte do que passará a ser obrigatório, como ficou claro no debate que se segui á apresentação.
A Worten, do grupo Sonae, que se assume como o maior marketplace nacional de produtos e serviços, é um dos exemplos. Lia Castro e Costa, Advogada da Direção Legal da empresa, não sem dúvidas de que "a implementação do DSA é um enorme desafio para todas as plataformas online. Antevemos um grande impacto por muitos anos", tendo em conta que a nova panóplia de novas regras exigirá um trabalho muito estruturado, com desenvolvimentos tecnológicos e a criação de uma grande equipa. Sendo que algumas das áreas preconizadas no documento já estão em plena fase de implementação no grupo.
Já no que respeita aos operadores de telecomunicações nacionais, Pedro Mota Soares, secretário-geral da Apritel, começa por destacar que "o online não pode ser uma espécie de faroeste sem lei. As regras do offline tem de ser aplicadas no online", até para conter movimentos como o da crescente pirataria digital, que prejudica as empresas e a economia.
"É importante perceber que do ponto de vista legislativo, a transposição do DSA é relevante, mas vão existir outros mecanismos muito importantes para garantir que se retirem do ambiente online matérias ilegais. Do ponto de vista digital, o momento é agora. Com muita sensibilização dos utilizadores", acrescenta.
Num gigante mundial como é a Microsoft, com subsidiárias em todos os países, Pedro Duarte, Corporate, External & Legal Affairs Director, diz que o regulamento está a ser encarado "de e forma muito holística e precoce. Fomos parceiros ativos na própria concretização da versão final, enquanto um dos stakeholders ouvidos".
Pelo que, em termos de filosofia e conceção mais genérica do documento, se revêm nele. "A internet precisa de regulação. Tem de haver proteção dos consumidores e das empresas e um equilíbrio que tem de ser gerido pela regulação, que é feita pelos poderes públicos", considera. Acresce que, ao obter-se um consenso em termos europeus para promover o mercado interno, se evitou a "fragmentação dos mercados nacionais, que já estava a começar a acontecer, face à aceleração do mundo online".
"Estamos a olhar para esta matéria com a atenção devida. Temos acompanhado a evolução do próprio pensamento do legislado e até forçámos a ir num certo sentido mais avançado, porque acreditamos numa regulação forte e mais eficaz. Por isso achamos que estamos bem preparados e fizemos bem o trabalho de casa. Mas haverá um conjunto de matérias que teremos de limar, perante o diploma em concreto", acrescenta o responsável da big tech.
Todos defendem a ideia em que assenta o DSA de que tudo o que é ilegal offline tem de ser ilegal offline, mas há que definir o alcance do documento, já que há casos onde a fronteira entre o que é uma prática lícita ou ilícita é muito ténue. Lia Castro e Costa considera que o regulador europeu "foi mais longe do que deveria no B2C", uma vez que teve em conta os players mundiais que praticam atos ilegais, o que não é o caso de plataformas europeias de ecomerce.
"Temos dificuldade em perceber o que é que isto vai significa na prática. Um cliente enganado é um cliente que não volta. Não queremos isso. Temos de perceber qual é o alcance destas regulamentações e estamos à espera de orientações. Espero que a CE não pretenda que os sites europeus sejam todos iguais. Tem de haver aqui algum bom senso", considera.
Ainda assim, e porque o objetivo é dar confiança aos clientes do marketplace, onde estão empresas de todo o mundo, estão já a "desenvolver, de forma mais concreta com parceiros, os mecanismos de identificação dos vendedores. Queremos trazer segurança para o cliente final".
Também o líder da Apritel admite que há matérias que ainda não estão clarificadas e consolidadas. Nomeadamente ao nível da transposição nacional das regras, como a seleção do regulador do online. Mas sublinha a necessidade de não se criarem "redundâncias na regulação. Já estamos hoje sujeitos a muitos reguladores diferentes, que muitas vezes não têm a mesma visão sobre as mesmas matérias. Tem de haver uma clarificação e é importante na transposição que os operadores e stakeholders possam ser ouvidos, para se encontrarem as melhores soluções para o mercado e para os consumidores".
Já Pedro Duarte, perante a constatação de que a parte mais densa do DSA é o complexo conjunto de regras para os prestadores de grandes dimensões, sendo que estas terão uma aplicação quase imediata, refere que "alguma da nossa concorrência costuma dizer que o DSA surgiu para empresas desta dimensão. Temos a noção do impacto, embora talvez não estejamos tão expostos como outras big techs".
Para o gestor, a execução de uma parte significativa das regras dependerá da interpretação de quem vai executar, pelo que tudo terá que ficar bem claro. "Há linhas ténues que dependem da aplicação prática e alguma incerteza em várias matérias e de como se vão aplicar no terreno", alerta. No grupo, tem sido realizado um esforço interno desde há cerca de 4 anos no sentido de aplicarem práticas e processos internos mais compliance, citando o caso da responsible AI. "Temo-nos preparado, de forma abrangente, para o que aí vem. Seja o que for", reforça.
PROGRAMA
09h30 | Boas Vindas | |
Fernando Resina da Silva - Sócio da Área Comunicações, Proteção de Dados & Tecnologia, Sócio Responsável da Área PI Transacional, VdA Sandra Fazenda Almeida - Diretora Executiva, APDC | ||
09h35 | Digital Services Act - DSA | |
Tiago Bessa - Sócio da Área Comunicações, Proteção de Dados & Tecnologia | Sócio da Área PI Transacional, VdA - Apresentação | ||
09h50 | Debate | |
Lia Castro e Costa - Advogada, Direção Legal Worten Pedro Duarte - Corporate, External & Legal Affairs Director, Microsoft Pedro Mota Soares - Secretário-Geral, APRITEL - Apresentação | ||
Moderação: · Sandra Fazenda Almeida - APDC · Tiago Bessa - VdA | ||
10h45 | Encerramento |
ORADORES