Ninguém tem dúvidas sobre o potencial disruptivo do 5G no mercado. Mas a sua implementação ainda só está a começar, embora os use cases já no terreno comprovem os seus benefícios para as empresas, abrindo-lhes um mundo de novas oportunidades. Trata-se de uma mudança "do pronto a vestir para o fato à medida", na perspetiva dos operadores, uma vez que cada organização tem necessidades específicas e não há uma receita única. Por isso, o desafio passa por um trabalho de descoberta, em verdadeira parceria e em ecossistema, num exercício considerado desafiante, mas muito estimulante, como ficou claro neste webinar sobre "5G - Aplicações Profissionais e Industriais".
Há 3 eixos fundamentais que são característicos do 5G: velocidade dos dados, latência e conectividade. E de no caso do primeiro eixo, se trata de uma evolução das gerações móveis anteriores, os dois outros eixos são, verdadeiramente, a novidade da tecnologia.
Para Luís Correia, professor do Instituto Superior Técnico, que abriu esta iniciativa da APDC, em parceria com a Altice Portugal, todos eles são essenciais, tendo em conta a evolução do mercado.
Assim, o ritmo de transmissão dos dados tem que ser muito maior, porque as aplicações precisam de crescente velocidade. A latência baixa tem a ver essencialmente com os novos serviços que vão ser disponibilizados, sem atrasos de processamento, e com um sincronismo áudio e vídeo inferior a 10 milisegundos, na ordem do milissegundo. E precisamos ainda de conetividade, elevada "porque o IoT está por aí, com a colocação de sensores em tudo quanto é sítio. Nas aplicações industriais, para tirar partido de uma miríade de sensores, o 5G é essencial", destaca.
Perante esta realidade, os operadores terão que disponibilizar muito mais estações base, para dar cobertura e capacidade, assim como sinal suficiente e canais. Terá de haver "um compromisso entre cobertura e capacidade. Há uma balança de dois pratos, o que leva à questão do espetro e das bandas de frequências", diz o docente, adiantando que umas terão que se destinar a serviços comerciais e outras a aplicações industriais, nomeadamente as dedicadas a instalações fabris, para garantir que não existem interferências. Como em casos como as cirurgias remotas, robots de serviços ou veículos autónomos.
É aqui que entre outra grande novidade trazida pelo 5G: o slicing de rede, com o qual podem ser alocados recursos apenas a um cliente, de acordo com as suas necessidades de velocidade, latência, largura de banda, segurança e tipo de aplicação, criando-se as denominadas redes virtuais privadas. Aspeto também importante é a cloud que, com as novas arquiteturas de rede do 5G, terão muitos novos serviços.
Tendo em conta que também os terminais estão em franco desenvolvimento, para que todas as empresas e organizações tirem partido do 5G, Luís Correia não tem dúvidas de que no futuro haverá todas as aplicações imagináveis. "As redes 5G serão facilitadoras da utilização de outras tecnologias, como IA, analise de dados, machine learning, aprendizagem automática ... O que conduzirá a uma muito maior eficiência dos processos de fabrico e da eficiência das operações em geral, assim como outras utilizações das empresas", trazendo "uma enorme revolução. É um mundo novo que vem aí", destaca, deixando claro que será ainda essencial olhar para todas as questões de segurança.
USE CASES DE SUCESSO
Já há grandes empresas em Portugal com casos de aplicação de redes privadas adaptadas às suas necessidades. A Somincor é um dos casos de implementação, com o objetivo de garantir a comunicação com a operação dentro da mina, assim como a segurança e o controlo da operação.
Segundo Loubna Kerfah, gestora do Projeto UGMCP & Centro Coordenação Operacional da empresa mineira, a rede permite não só a comunicação em tempo real das pessoas, como ainda a automatização de equipamentos e a segurança, através de um sistema de localização de ativos - pessoas e equipamentos - em situação de emergência, assente numa rede de sensores. Que fornecem ainda todos os dados em tempo real, para tomar decisões em temas de produção ou gestão de equipamentos. Esta solução permite-nos atuar mais rapidamente, ajudando na tomada de decisão, no aumento de produtividade e na área da segurança, que é o nosso pilar principal", diz a gestora.
Já a Bosch tem em Aveiro uma rede 5G privada, opção que teve sobretudo a ver com a segurança da infraestrutura e a confidencialidade dos dados, como refere Nelson Ferreira, coordenador internacional de Indústria 4.0 da Bosch Termotecnologia. Um dos focos da empresa é ainda a recolha de grandes volumes de dados. "Quando falamos de IoT na área industrial, falamos de muitos dados a serem gerados em tempo real. A Bosch no mundo inteiro tem mais de 150 mil equipamentos fabris a funcionar. Em Aveiro, temos cerca de dois mil equipamentos e por cada um pode haver dezenas de sensores. Tudo a gerar dados em tempo real, para permitir analítica e, por exemplo, a manutenção preventiva e preditiva de equipamentos, que são muito caros", explica.
A particularidade do 5G do slicing permite ainda garantir a operação, nomeadamente robôs móveis a circular no chão de fábrica, em que o real time passa a ser crucial, até na perspetiva de segurança. "O poder assegurar que tenho uma camada de recolha de dados a funcionar, mas que, independentemente de tudo, asseguro o que é time critical é absolutamente fundamental no chão de fábrica", diz o gestor, referindo ainda outras aplicações que começam a surgir, como a realidade aumentada e virtual, que poderá fornecer "ferramentas adicionais aos técnicos do chão de fábrica sobre o que está a acontecer e onde é que há problemas de informação". Ou o vídeo, que vai surgir com um paradigma diferente, através do vídeo com contexto, que permitirá, por exemplo, controlar a matéria-prima ao longo do processo fabril, num contexto completamente automático e autónomo.^
MUDANÇA DE PARADIGMA
E qual a perspetiva do fornecedor de serviços? "Vemos o 5G e as redes privadas como ferramentas que vão contribuir para ultrapassar dificuldades atuais ou abrir novas possibilidades para as empresas. Nesta perspetiva, temos que pensar nestas redes como um veículo para construir soluções que resolvem situações concretas, nomeadamente industriais. Queremos aumentar a segurança, a fiabilidade e disponibilidade do serviço, a produtividade...", salienta Luís Lamela, responsável da Estratégia Tecnológica da Altice Portugal.
Para este responsável, tudo começa por conseguir analisar de uma forma eficaz o que está a acontecer para se poder determinar quais são as medidas adequadas para ter as melhorias que se ambicionam. Depois, a empresa disponibiliza uma gama de possibilidades em termos de redes para servir esses use cases identificados. Mas alerta para vários fatores que há que ter em conta, a começar pela maturidade da tecnologia. "A verdade é que o 5G já chegou, mas ainda está a chegar. Temos todo um ecossistema que tem que existir para suportar as empresas, que consiste na rede, nos seus componentes, mas é preciso também ter as soluções e os equipamentos. E a verdade é que hoje estão a chegar", acrescenta.
Trata-se de um ecossistema que permitirá selecionar a solução mais adequada para cada caso. "Podemos estar a falar de uma rede privada virtual, que consiste na alocação de recursos sobre a rede pública do operador. O slicing é a ferramenta que vai permitir aos operadores, de uma forma muito eficiente, fazer estas configurações. No outro extremo, temos as redes privadas dedicadas, como na Somincor, que que existe um mini-operador instalado", detalha o responsável da Altice.
No fundo, há que "identificar quais são os serviços, as vantagens operacionais que as empresas podem retirar e procurar a solução de rede mais adequada para os suportar. Temos vários componentes nesta procura. A maturidade da tecnologia e do ecossistema é um facto, assim como um aspeto essencial para as empresas, o controlo operacional de uma rede". Aqui, terá que se garantir às empresas "o retorno do investimento que fazem nestas infraestruturas, sempre na perspetiva de terem uma rede para resolver problemas ou potenciar oportunidades". O desafio é "estudar com as empresas quais são essas oportunidades de melhoria e, em conjunto, desenhar a solução mais adequada".
Nesse sentido, e desde junho de 2019 que a Altice Labs tem em Aveiro uma rede 5G completa, com espectro experimental cedido pela Anacom, onde desenvolvem deste então vários projetos. Segundo Francisco Fontes, consultor sénior da subsidiária para a I&D da Altice, essa decisão permitiu ao grupo perceber o potencial da tecnologia. Já em 2020 e 2021 foi aberto um concurso para projetos assentes na rede, com aplicações em áreas como o turismo, saúde e veículos, que demonstraram a tecnologia já a funcionar.
"A tecnologia já aí está, mas ainda tem um longo caminho para andar. É essa monitorização que estamos a fazer, incorporando tudo nos nossos produtos. Estamos a desenvolver soluções de 5G com componentes próprias e de terceiros, já que a nossa componente é mais do acesso", salienta, tendo parcerias para várias outras áreas. Ou seja, "estamos a procurar ativamente as melhores soluções e encontrar sinergias entre o que é a nova tecnologia com tecnologias mais tradicionais. Temos de ter soluções flexíveis, que se adequem a cada cenário".
TRABALHAR EM PARCERIA
Já na fase das Q&A, foram debatidas as vantagens da utilização de uma rede privada para os clientes, assim como as principais dificuldades sentidas na sua implementação. Na Somincor, a adoção desta nova solução é considerada uma grande mais-valia, sendo a montagem do zero desta rede considerado o maior desafio num processo que é uma constante aprendizagem e progressão. Já na Bosch, o grande potencial é a parte da analítica de dados, que já permitiu, só este ano, ganhos da ordem os 10% só em redução de custos operacionais na manutenção. Nelson Ferreira refere que o grande desafio foi chegar a um acordo sobre a arquitetura para a ligação entre a rede 5G e a rede empresarial, até tendo em conta que o grupo regista em todo o mundo cerca de 300 mil ciberataques identificados.
Mas o 5G está também a alterar o modelo de negócio dos fornecedores, uma vez que passa a exigir o envolvimento de mais entidades. "Nas redes privadas, cada caso é particular e as soluções têm de ser flexíveis. Com uma exigência diferente", explica Francisco Fontes.
E a ideia "não é apenas fornecer o espectro, mas a solução e conseguir mantê-la", num "modelo B2B2B em que uma solução tem que prever diferentes entidades e diferentes relações sobre uma rede. Temos parcerias para completar a nossa oferta e vamos procurando as melhores soluções". Outro desafio, na sua perspetiva, é o custo das soluções, ainda bastante elevadas. "Só um site 3,4 ou 4G custa várias dezenas de milhares de euros. Estamos a tentar baixar o custo da solução final e tornar os negócios viáveis. Não o são ainda para a generalidade das empresas".
Luís Lamela acrescenta que "há uma gama de possíveis soluções, sendo importante as empresas terem uma metodologia apropriada para, em conjunto com os seus parceiros, incluindo o operador, perceberem qual é a solução adequada para o seu caso".
Para o gestor, "estamos a passar do pronto a vestir para o fato à medida. E cada empresa têm as suas necessidades". E se hoje ainda não existe "uma receita que possa ser aplicada diretamente", tudo passa por "dialogar muito com as empresas. Muitas vezes é um trabalho de descoberta em conjunto dos problemas e das oportunidades e como valorizamos as soluções que vão suportar a operação da empresa. Há casos muito evidentes e outros que exigem um esforço considerável. É um exercício muito desafiante, mas também muito interessante".
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