Envolver os cidadãos na vida das cidades e mudar os seus comportamentos, de forma a aumentar a qualidade de vida, fazer crescer a economia e incrementar o funcionamento nos grandes centros urbanos tem que passar pelas ciências comportamentais. Sempre associadas a uma utilização correta da tecnologia e da comunicação, que seja eficaz e que crie confiança nas pessoas, e tendo em conta princípios éticos. Há muitas oportunidades, mas as entidades públicas ainda têm grandes desafios pela frente.
"Falar de cidades, comportamentos, tecnologias e comunicação é falar de comunicação voltada para a mudança comportamental, num processo de inovação que pode ser complexo do ponto de vista ético, mas que é muito produtivo e aumenta a qualidade de vida das pessoas", começa por destacar o investigador e especialista
Carlos Mauro no Webmorning APDC dedicado ao tema "Cidades, Comportamentos, Tecnologia & Comunicação", organizado no âmbito da Secção Cidades Sustentáveis e Saudáveis.
É que, como salientou no arranque do evento Vladimiro Feliz, presidente da Secção, "as cidades são cada vez mais palco de desenvolvimento dos países e, no seu âmbito, a gestão de recursos em áreas distintas como a energia, água, mobilidade e conetividade é essencial". Para este responsável, o desafio da gestão das cidades tem que se focar hoje nas pessoas e numa gestão que assenta na tecnologia e na comunicação. "As cidades têm que se reinventar e encontrar um caminho para a neutralidade carbónica, que reclama uma nova agenda sustentável e inteligente", acrescenta.
E quais são as questões em cima da mesa? Para Carlos Mauro, são a forma como se pensa o comportamento dos cidadãos nas cidades e quais são os efeitos desta conceção; o que está errado, como e quando mudar; e que papel para a tecnologia, a comunicação e as ciências na vida das cidades.
Na opinião deste investigador, que criou no Porto a CLOO (a primeira empresa de consultoria de comportamento económico, especializada na análise de comportamentos e no desenvolvimento de estratégias e intervenções, num modelo de concilia ética com resultados), as premissas do comportamento dos cidadãos nos grandes centros urbanos assentam em três pontos distintos. A começar pela pouca confiança entre cidadãos, passando pela falta de confiança nas instituições locais, com um afastamento face às organizações públicas. Acresce que os recém-chegados têm um capital social reduzido, o que diminui a participação em questões locais e a interação com os atores públicos.
A consequência desta realidade é a "subutilização do que é oferecido e a falta de pressão para o que é necessário. Os cidadãos não se sentem parte de uma comunidade. Há pouca participação e envolvimento nas questões de interesse local", avança Carlos Mauro, destacando que as pessoas continuam a ter poucas informações sobre as freguesias onde moram, o seu bairro ou mesmo a sua rua. A informação não chega de forma eficaz e no que é relevante, num "enquadramento e processo que faz com que as pessoas se afastem".
Para o especialista, há uma "distância psicológica dos cidadãos", que considera ser uma das principais questões nas cidades, o que leva a que o seu envolvimento e participação nas questões locais seja pequeno. A explicação para esta realidade? As ferramentas usadas são pouco adequadas e a estratégia de base está errada, já que se espera "uma participação muitas vezes passiva, onde não há cocriação nem participação na definição de políticas públicas por parte dos cidadãos, o que as afasta".
A utilização da tecnologia, que "nunca foi tanta como hoje", utiliza também um "modelo equivocado, que tem que ser posto de lado". É que se há cada vez maior produção de dados e monitorização, a realidade é que não existe uma abordagem comportamental na forma como os policy makers olham para os cidadãos.
APROXIMAR E NÃO AFASTAR
Olhando para os fundamentos comportamentais da economia neoclássica, de como se pensam os comportamentos dos cidadãos nas cidades, estes são olhados como pessoas capazes de ordenar as suas preferências, terem uma escala de preferências predefinida e estável, sendo as relações entre as preferências transitivas, de se agir de acordo com o modelo custo-benefício e de se procurar informação sobre custo e benefício marginal.
A verdade, para Carlos Mauro, é que esta visão não é a mais adequada para 99% dos casos. É que as pessoas, "mesmo sendo auto-interessadas, não são necessáriamente egoístas e maximizadoras". E cita o exemplo de uma estratégia desenvolvida nos Estados Unidos para a redução do consumo de calorias nos restaurantes, que passou pela colocação em cada oferta do menu das respetivas calorias consumidas. A realidade é que a colocação dessa informação a seguir a cada produto não resultou numa mudança de comportamento. Mas colocada antes do produto já teve uma adesão grande dos consumidores.
A explicação está em que "vemos muito mal o médio e longo prazo. Abdicamos de prazeres futuros em prol do presente. Tudo acaba por passar por grandes impulsos. Cada pessoa processa as informações, formula juízos e toma decisões assentes em dois sistemas: um que é rápido e automático e outro que é mais lento e reflexivo. Mas se se pensava que este segundo sistema dominado, a realidade mostrou que o primeiro explica mais de 85% a 90% de todas as decisões. Que o ser humano real toma decisões intuitivamente, com pouca atenção consistente, sendo influenciado por detalhes do ambiente que podem até ser considerados irrelevantes.
Por isso, para mudar comportamentos, mãos do que fornecer informação e incentivos, há que implementar pequenas mudanças no contexto da decisão, de forma a facilitá-la. Por outras palavras: "ajudamos as pessoas, mas não obrigamos nem retiramos opções de escolha. Influenciamos comportamentos". Não sendo as ferramentas tradicionais da regulação, informação e incentivos efetivos por si só, há que "pensar o comportamento humano real", com base em insights comportamentais. Estes "podem ajudar a criar melhores informações e sistemas de incentivos, assim como melhorar a regulação, com a adoção de formas mais inteligentes", explica o investigador.
Mas, do ponto de vista ético, a ciências comportamentais devem ser usadas com tecnologias e comunicação, e com "políticas transparentes e publicadas, para que as pessoas possam compreender como é que estas políticas tiveram eficácia". É que "a cada insight comportamental, consegue-se maior envolvimento das pessoas", pelo que defende que se tem se "utilizar de forma inteligente a tecnologia para atingir todas as pessoas", seja nas suas formas mais básicas como mais complexa.
TRANSPARÊNCIA E ÉTICA SÃO ESSENCIAIS
Desde que se tenham em conta princípios éticos, é possível impulsionar a mudança de comportamentos, o que sendo "assustador, pode ser muito importante. Se mais governos tivessem optado pelas ciências comportamentais na pandemia, tudo teria sido mais eficaz e efetivo", assegura, pois tudo assenta nas "estratégias para as entidades publicas criarem mais engament com os seus interlocutores". É que não restam dúvidas de que o impacto da tecnologia nas ciências comportamentais pode ser enorme, trazendo consigo muitos desafios, mas também oportunidades.
Já na fase de debate, moderada pela Diretora Executiva da APDC, Sandra Fazenda Almeida, foi abordado o tema dos riscos de coação e manipulação das pessoas através do acesso aos seus dados e da sua utilização por via da tecnologia. Um tema que, para Carlos Mauro, tem que ser acautelado, na dimensão das políticas públicas, pela transparência em todo o processo. Por essa via, geram-se melhorias dos comportamentos que são positivas para a sociedade, que necessita de estar cada vez mais envolvida. A responsabilização de quem tem acesso aos dados é outro requisito, porque só isso garante um comportamento ético. Já no que respeita às empresas, defende que não se devem usar as ciências comportamentais "para enganar as pessoas ou influenciar para fazerem algo que é prejudicial".
Este especialista entende mesmo que "não utilizar as ciências comportamentais leva a uma perda de eficiência muito grande" na comunicação e no envolvimento das pessoas, com a consequente mudança de comportamentos. Apesar de cada problema comportamental ter razões específicas que devem ser tratadas de forma diferente, a verdade é que a forma de comunicar é determinante. Por exemplo, ao nível local, pode ser mais inclusiva ou mais imperativa.
"Quando as pessoas sentem que vão perder autonomia reagem e aumentam as barreiras cognitivas e comportamentais. Tem que se usar linguagem persuasiva nas mensagens, que tem que ter o objetivo evitar a distância psicológica, usando a tecnologia e a comunicação. Muitos não pensam efetivamente na comunicação, havendo uma grande perda de recursos, pois, efetivamente, não se obtém resultados. A comunicação tem que ser voltada para as pessoas e para o que as interessa. Se for enviada uma mensagem que não resulta, gera uma desmobilização imediata", acrescenta. Defendendo, por isso, que se o setor publico está já aberto a pensar e a testar, precisa de ter pessoas a pensar em como fazer experiências.