Sendo um tema "muito caro ao Governo português", tanto a Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP) como o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) são instrumentos importantes para o controlo da despesa pública mas, sobretudo, para a melhoria da qualidade das finanças públicas. A afirmação vem do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, que esteve presente na sessão de abertura do 4º Workshop do "Ciclo APDC: Para uma Administração Pública do Século XXI", a 1 de Junho, que abordou o tema fundamental das "Compras Públicas: mais eficiência e/ou mais inovação?".
Para Carlos Costa Pina, "fazer boas compras tem uma dimensão financeira mas também de qualitativa. Porque se pretende alcançar um nível de sofisticação e de qualidade dos bens e serviços adquiridos cada vez maior". A reforma nesta área, que avançou a partir de 2007, representou "uma revolução no que era o paradigma tradicional do funcionamento da Administração Pública. Sendo cada vez mais importante dar passos concretos no sentido de uma horizontalização de procedimentos em áreas transversais a toda a AP, as compras são uma área transversal. E os resultados mostram que "a ANCP tem tido uma actuação bastante bem sucedida", nomeadamente com as 300 adesões de entidades ao sistema, incluindo as empresas públicas mais relevantes e alguns dos municípios de maior dimensão, cuja adesão não é obrigatória mas sim facultativa.
Tendo o SNCP "vantagens comprovadas e resultados que estão à vista", também implicou o reforço do poder negocial da AP, a melhoria da qualidade e preço das aquisições e a potencial redução dos recursos organizacionais afectos às compras do Estado. Foram já possíveis no ano passado, com os acordos-quadro em vigor, poupanças de 110 milhões de euros sendo que 87 milhões resultaram da simples celebração dos acordos-quadro. E o governante destaca que o próprio efeito agregador das compras tem permitido poupanças efectivas superiores a 20 milhões de euros.
"É nossa intenção chegar ao final do primeiro semestre estejam em vigor os 16 acordos-quadro previstos nas 16 rubricas de despesa pública transversais a toda a AP", garante o governante, num universo que implica valores anuais de 1200 milhões de euros. O objectivo é alcançar um potencial de poupança de 150 milhões de euros. O que não será difícil, face aos resultados já alcançados.
Ao nível dos 15 ministérios, 11 já procedem à negociação e aquisição centralizada de bens e serviços através da criação de unidades ministeriais de compras. Para Costa Pina, este é um "trabalho em curso no Estado", com os ministérios a representarem 370 milhões de euros de despesa pública, ou seja, um terço das despesas totais da AP.
Destaca ainda que para além dos benefícios para o Estado, o SNCP deve também promover a competitividade da estrutura produtiva das empresas nacionais. "É dever de um comprador como o Estado promover uma adequada relação de negócio. Pelo que a introdução de medidas ao nível dos processos aquisitivos que favoreçam as PME é um processo em curso, mantendo-se níveis de exigência e qualidade elevados". Das 326 entidades habilitadas a fornecer serviços ao estado, 73% já são PME.
Quanto às críticas que têm vindo a surgir em torno da actuação da ACNP, "num ambiente de exigência como o das compras, as críticas são inevitáveis. Estamos preparados para as críticas construtivas, que nos permitem fazer melhor. Uma reforma de um sistema de compras afecta sempre inevitavelmente muitos interesses instalados. Todas as críticas são um sinal de reconhecimento pelo trabalho feito", conclui o governante.
MULTIPLOS DESAFIOS
O presidente da APDC não tem dúvidas de que há muitos desafios que se colocam às compras públicas no actual contexto - "fazer mais com menos recursos e, ao mesmo tempo, saber como é que se pode desenvolver a economia e a própria inovação". Para Diogo Vasconcelos, eficiência e inovação não são conceitos antagónicos mas sim complementares. E o aumento da competitividade só se faz com mais inovação, tanto no sector público como na sociedade em geral.
As compras públicas estão consagradas no próprio plano de inovação europeu como prioritárias, pela sua capacidade de estimular o sector privado para novas funções. "Há que impulsionar e criar uma nova dinâmica para novos serviços e produtos tecnológicos, através do procurement. Este pode ter uma grande capacidade de desenvolver o tecido económico das pequenas empresas", destaca o líder da APDC. Para quem não restam dúvidas: "O Estado tem que dar o exemplo". Com um maior ambiente de colaboração entre sector público e privado no sistema de compras públicas. E com uma estratégia de olhar a inovação como a única forma para se conseguir corrigir os erros do passado e construir um novo futuro.
André Roos,conselheiro do Ministro da Economia holandês e Brad Dupuy, Manager do Public Sector Industry da HP abordaram de seguida o tema da Inovação através do Procurement Público, destacando que este exige a participação e a colaboração de diversas entidades públicas e privadas. Eficiência, aplicação das melhores práticas e aposta estratégica da inovação são o caminho e determinam todos os resultados obtidos.
Já o primeiro painel do workshop abordou o tema "Desenhar e Construir Redes - A Legislação e o Governance das Compras Públicas". Onde Claúdia Viana, Professora na Universidade Minho, se referiu ao projecto de compras públicas nacional, procedendo-se à unificação de todo o regime de contratação pública, com a respectiva transposição das directivas comunitárias. Para a docente, o actual Código dos Contrato Públicos é muito relevante, embora susceptível de várias críticas, nomeadamente a sua demasiada complexidade de técnica legislativa, a ausência de uma adequada transposição de algumas regras, a excessiva complexidade do concurso limitado de prévia qualificação e a transposição incorrecta de um conjunto de directivas comunitárias. Mas destaca que o código também tem aspectos positivos, começando logo por passar a haver um único código, eliminando-se múltiplos diplomas, assim como a consagração da contratação electrónica e os acordos-quadro. Qualquer futura revisão do Código deverá ser precedida de uma avaliação séria e ponderada.
Os casos específicos da Construção e Imobiliário, Finanças e Turismo foram abordados neste painel. Já Fernando Silva, Vice-Presidente do INCI - Instituto da Construção e do Imobiliário referiu-se ao projecto do instituto do portal base e à necessidade de ferramentas de monitorização, assim como de uma melhor interoperabilidade entre as plataformas de contratação electrónica do Estado. Helena Borges, directora das Finanças, destaca a necessidade da eficiência e inovação em todo o sistema de compras públicas. "Há todo um campo de aprendizagem, de aplicação e reflexão sobre o que a tecnologia hoje nos disponibiliza para se conseguir fazer mais. É preciso evoluir", nomeadamente para processos de compra mais simples, porque as actuais regras dos acordos-quadro diminuem a eficiência da actividade pública. Para esta responsável, temos de abrir "novas janelas e oportunidades. E a AP tem que ver os seus organismos como clientes", encontrando soluções que não podem ser iguais para todos, porque nem todos têm as mesmas necessidades. "Tem de se avançar para novos procedimentos, novas formas de adquirir." Também Nuno Santos, administrador do Turismo de Portugal considera que "a despesa é a palavra principal nas compras, não é a conformidade". Subsiste ainda uma grande discussão em torno das regras e procedimentos nas compras públicas, pelo que há que pensar quais são as prioridades que vão à frente. E "há que fazer um trabalho fortíssimo por parte da ANCP de explicar e demonstrar como se usam as regras das compras".
Num debate moderado por Nuno Cavaco, partner da Leadership Business Consulting, João Paulo Almeida, vogal do CA da ANCP, deixou bem claro que a opção pelos contratos-quadro foi a melhor e a mais natural, face às suas características reguladoras. Até porque se veio de "um relativo caos e foi entendido que o acordo-quadro era uma ferramenta que trazia ordem e harmonia", tendo em conta os objectivos de redução da despesa e de obtenção de poupanças. "Os europeus abrem a boca de espanto quando sabem que a contratação pública electrónica em Portugal é obrigatória. E sem alternativa", refere. Salienta contudo a importância da informação, que neste momento é uma "batalha muito importante e tem de ser encarada como uma prioridade estratégica."
APOSTAR NA INOVAÇÃO E NA EFICIÊNCIA
Depois de ouvir o caso específico do procurement público na Dinamarca, apresentado por Soeren Jacobsen - CEO of SKI - Statens Kommunernas Indköbsavdeling, um grupo de responsáveis analisou o tema "Transformar a arquitectura do sourcing na AP - Tecnologia e Processos", num debate moderado por Júlia Ladeira, do Instituto de Informática, que foi a perita desta iniciativa. António Aguiar, director do Instituto da Segurança Social, um dos maiores compradores em Portugal, destaca que não basta criar mecanismos de compras nem de acordos-quadro. É preciso apostar na reorganização interna das organizações. O que obriga a uma reengenharia de serviços e processos, como aconteceu na Segurança Social, definindo-se uma estrutura todas as compras transversais são feitas centralmente e s pequenas compras cabem às unidades distritais, depois de autorização central.
A Educação também esteve em destaque, com o secretário-geral do Ministério da Educação, João Batista, a salientar que o modelo de gestão nas escolas não pode ser tão centralizado. São encaradas como unidades com autonomia, no âmbito de um acordo-quadro específico para o Ministério da Educação.
Já Rui Dias Ferreira, presidente da Vortal, salientou a enorme evolução do procurement publico em Portugal. "É hoje o único país do mundo onde a compra pública é obrigatoriamente toda desmaterializada". Mas "feita esta revolução, é preciso saber se agora estamos no inferno ou no paraíso", definindo-se para onde vamos. E entende que há necessidade de uma maior exigência nas funcionalidades das plataformas de negociação, com um melhor funcionamento entre elas.
Também nessa sessão esteve presente um vogal do CA da ANCP. Joana Carvalho deixou claro que o objectivo para este ano é repensar toda a estratégia tecnológica associada às compras públicas. Mas se a plataforma tecnológica é uma ferramenta importantíssima, não é a única. O catálogo de compras públicas, os preços máximos e mínimos, a ferramenta de agregação de necessidades e o sistema de informação de gestão também são críticos. A estratégia que tenha a ser definida tem de ter em atenção todas estas ferramentas".
Paulo Magina, presidente da ANCP há cerca de uma semana, encerrou o workshop naquela que foi a sua primeira aparição enquanto líder a entidade responsável pelas compras públicas, referiu-se às prioridades para os próximos três anos. "Manter o seu rumo, melhorando o seu desempenho, com inovação nos processos e metodologias e eficiência nos resultados" são os objectivos da ANCP. Com um crescente envolvimento de todos os stakeholders dos mercados públicos, a salvaguarda da livre e sã concorrência entre agentes económicos, a igualdade de tratamento e o cumprimento da lei.
O novo responsável quer "renovar o compromisso do diálogo sustentável e estruturante com o mercado", no âmbito da emissão da ANCP. A opção pelos acordos-quadro "foi a acertada" e já começou a ter resultados. "Carece obviamente de introdução de melhorias baseadas na experiência do que já foi feito. Estamos a trabalhar em acordos-quadro de nova geração, que passam por incorporar as necessidades e todos os contributos dos nossos parceiros/clientes". Reforço da centralização e planeamento nos procedimentos aquisitivos do SNCP e recurso cada vez mais optimizado às TIC são apostas.
"As compras públicas estão a entrar numa nova fase, porque o grau de maturidade do sistema e da própria agência assim o exigem. Iniciámos um novo tempo, de aprofundamento, de melhoria e de renovação. É tempo de consolidar o que de positivo já foi feito pela ANCP", concluiu.