Já chegámos à web 3.0, que traz consigo todo o potencial das tecnologias da chamada realidade estendida e já se está a construir a web 4.0. Ainda que estejamos no início do processo, já é possível criar novas economias e oportunidades de negócio que resultam de uma mistura sem paralelo dos mundos físico e digital. O caminho passa agora por definir standards mundiais e aplicar valores e princípios ao metaverso, que tem um poder inimaginável para fazer novas e diferentes coisas. Antecipa-se um futuro incerto, verdadeiramente disruptivo, mas, certamente, cada vez mais imersivo. Porque a adoção em massa da realidade aumentada, virtual e mista vai certamente chegar. Ideias que ficaram da 1ª sessão de um Ciclo de Webinars denominado Metopia, uma parceria entre a APDC e a XRSI Europe, que visa promover um metaverso mais seguro, inclusivo, democrático e baseado nos direitos humanos. O tema foi "Data and Marketing in the Metaverse".
Se a web 1.0 criou um potencial sem precedentes na ligação entre as pessoas, a web 2.0 veio concretizar esse potencial. No entanto, permitiu o controlo por parte das grandes empresas, que tomaram conta de tudo, excluindo e marginalizando populações inteiras, com danos sociais evidentes. Mas o advento da web 3.0 traz consigo a oportunidade de realizar o potencial inicial da Web 1.0 sem os danos da Web 2.0, com a extended reality (XR), onde se inclui a realidade aumentada, realidade virtual e realidade mista.
Através da interação com as tecnologias imersivas, é agora possível criar novas economias e novas oportunidades, dando às gerações futuras todo o potencial de inovação que poderá resultar de uma mistura única entre o físico e o digital, para a construção da web 4.0, tema que a UE começou a falar em meados do ano passado.
A perspetiva é da Keynote Speaker deste webinar, especialista em grandes dados e análise de dados, consultora científica da XRSI Europe, uma extensão da XRSI - X Reality Safety Intelligence, nos EUA, e e autora e colaboradora de várias publicações, projetos e iniciativas internacionais sobre os temas da IA, IA ética e XR. Segundo a qual a web 4.0 inclui todas as tecnologias, com o objetivo de criar oportunidades que vão impactar fortemente o mercado.
Monika Manolova considera que os mundos virtuais terão impacto na forma como as pessoas vivem em conjunto, trazendo oportunidades e riscos que têm de ser abordados. Nesse sentido, defende, no âmbito da XRSI Europe, a aplicação nos próximos anos dos valores e princípios da UE, para permitir a aplicação plena dos direitos das pessoas e o desenvolvimento das empresas. Uma abordagem que passa por vários pontos, a começar pela capacitação e reforço das competências das pessoas, promovendo-se a sensibilização, o acesso a informações fiáveis e a criação de uma reserva de talento especializado no mundo virtual.
Depois, e tendo em conta que não existe ao nível europeu um ecossistema que reúna os diferentes atores da cadeia de valor dos mundos virtuais e da Web 4.0, há que apoiar o desenvolvimento deste ecossistema industrial, combatendo-se a fragmentação do mercado. Caberá aos governos apoiar o progresso da sociedade e os serviços públicos virtuais, tirando partido das oportunidades que os mundos virtuais podem oferecer.
Aqui, a oradora destaca que a UE já está a investir em iniciativas importantes, como o Destino Terra (DestinE), os gémeos digitais locais para comunidades inteligentes ou o gémeo digital europeu do oceano, para permitir aos investigadores fazer avançar a ciência. "Experienciar numa realidade mista é o futuro em que viveremos. Vai acontecer e só precisamos de nos preparar no melhor possível para ele. Já está a acontecer com a IA. Estas revoluções no mundo tecnológico acontecem quase instantaneamente", diz.
STANDARDS GLOBAIS SÃO ESSENCIAIS
Finalmente, a abordagem terá também de passar pela definição de standards globais, que garantam para mundos virtuais abertos e interoperáveis e a construção da web 4.0. E, sendo o grande desafio destes sistemas é a segurança, a XRSI existe exatamente para isso: garantir que todos estejam seguros no mundo virtual e que experienciem. A organização trabalha, por isso, para assegurar que a próxima geração de internet seja aberta, equitativa e livre de danos, tendo como missão orientar, moldar e salvaguardar o ecossistema tecnológico emergente que está a surgir na Europa. Com os valores core da segurança, privacidade e inclusão.
Estes são, na sua perspetiva, "valores essenciais. Temos de entender os sistemas imersivos e a forma como nos envolvemos com eles. Só assim garantimos que estamos seguros na experiência e na interação. No final, somos todos seres humanos e quando os produtos e serviços são desenvolvidos, têm também de ser inclusivos nas suas diferentes perspetivas".
Tendo em conta o potencial de negócio dos mundos globais virtuais, já que a perspetiva é que passem de 27 mil milhões de euros em 2022 para 800 mil milhões em valor em 2030, há ainda que ter em conta a forma como se recolhem e tratam os dados. Sendo o "nível de detalhe que o metaverso nos fornece enorme, quando toda as tecnologias se combinam entre si, criam um ambiente de maior risco, que é preciso controlar. Porque recolhem um vasto conjunto de dados do contexto e do meio envolvente, tornando possível saber tudo de todos. O que dá às empresas um poder gigante".
Aqui, é preciso encontrar soluções, porque começam a surgir dispositivos cada vez mais sofisticados, como os Meta Ray-Ban, lançados no final do ano passado, que têm câmaras integradas, usam inteligência artificial (IA) e fornecem acesso instantâneo ao mercado. É com ofertas como estas o mercado deverá crescer exponencialmente, porque liga os produtos às pessoas, removendo as barreiras. Por isso, Monika Manolova alerta que o que acontecerá, a menos que estes produtos sejam desenvolvidos com standards, não haverá controlo sobre o poder as grandes organizações. A XRSI discute no final de cada ano a convergência de tecnologias imersivas, produzindo relatórios sobre todas as tecnologias que vão impactar o ano seguinte. Este ano, aponta-se para os direitos humanos.
POTENCIAL PARA COISAS INIMAGINÁVEIS
No debate que se seguiu, moderado pela Diretora Executiva da APDC, Sandra Fazenda Almeida, ficou claro que se o momento em vivemos é entusiasmante, fruto de uma convergência entre tecnologias sem paralelo. Mas se será possível fazer coisas ainda inimagináveis num futuro que será certamente incerto e disruptivo, tendo em conta a aceleração tecnológica cada vez maior, o certo é que ainda se está apenas a começar este caminho. E que a construção de um metaverso à escala mundial é coisa de um futuro ainda distante. Portugal, apesar da limitação de ser um país de pequena dimensão e com pouca capacidade de investimento, tem as condições ideais para se posicionar como um polo tecnológico nesta área. O forte crescimento que se tem vindo a registar no ecossistema de inovação em torno do metaverso comprova-o.
Comentando a apresentação da KNS, João Rodrigues - Founder & Executive Director da Cyango, diz não ter dúvidas de que exemplos como o Meta Ray-Ban mostram que "já estamos a um nível mais avançado, com todas as tecnologias dentro de um dispositivo. O que permite coisas inimagináveis", em termos de dados sobre as pessoas. Há, na sua perspetiva, uma grande vantagem, numa situação que coloca também muitas dúvidas em termos de relação entre os seres humanos.
Maria Vilar, CEO da Immersiv Studio e representante nacional da Euromersive, diz que a disponibilização de dados em massa coloca muitos desafios éticos, com o tema da manipulação de conteúdos. Temas como a acessibilidade e inclusão são também fundamentais, até porque a realidade estendida é uma área ainda inacessível para algumas pessoas, quer em termos de custos, quer de dispositivos para aceder a experiências. O que "torna hoje em dia dificil pensar num metaverso à escala mundial".
Considerando o tema da proteção de dados e inclusão críticos, João Domingues, Innovation Manager da Axians, colocou a tónica nas "questões poderosas que têm de começar a ser endereçadas. Que não se prendem só com como mundo do metaverso e a vertente mais sexy da user experience. Estamos preocupados com os wearebles, mas neste momento temos Teslas a andar na estrada que, na prática, são sonares que estão a recolher imagens em 360 graus ao segundo". E não se trata apenas do metaverso mas de uma convergência de tecnologias que estamos a ver pela primeira vez: "estamos a viver um momento muito disruptivo com esta convergência entre blockchain, digital twins, cloud, velocidade dos dados, 5G, 6G... são momentos muito entusiasmantes".
Tanto o projeto da Cyango como o da Immersiv Studio trabalham nas áreas do metaverso e da realidade estendida. João Rodrigues criou a startup quando ainda só se falava de realidade virtual e aumentada e viu aqui um potencial de criar um novo negócio. Depois de um arranque que não foi fácil, acabou por desenvolver um software que permite às pessoas criarem as suas experiências virtuais de 2D e 3D no metaverso.
Já no caso da Immersiv Studio, foca-se mais na realidade estendida, em áreas como a ativação de marketing, que tem cada vez mais mercado, especialmente no país. Embora o mercado português tenha alguns desafios, a começar pela pequena dimensão. Mas Maria Vilar destaca que, cada vez mais, os clientes estão cada vez mais cientes das experiências imersivas, depois de todo um processo de informar e explicar os benefícios destas tecnologias imersivas. Um trabalho que tem também sido feito através da Euromersive, a nível europeu e nacional. "Ainda que estejamos ainda na fase inicial destas tecnologias, mas as pessoas já começam a ver a diferença e os clientes estão cada vez mais conscientes dos benefícios da adoção destas experiências imersivas".
Mas será que, tendo em conta que há um número crescente de empresas, incluindo internacionais, a reforçar o ecossistema português do metaverso, o país poderá posicionar-se como um hub nesta área? João Domingues destaca que "foram criadas todas as condições para nos tornarmos um polo tecnológico e uma referência. A consequência é que o ecossistema de inovadores tem crescido muito e a velocidade é entusiasmante. Diariamente somos inspirados por experimentações casos de uso e projetos implementados". Mas há o reverso desta situação: um mercado adverso ao risco, pelas suas limitações em termos de capacidade de investimento.
Ainda assim, garante que há muito mais inovação, com a criação de instrumentos para potenciar a experimentação e as provas de conceito. Com centros de inovação, parcerias com o mundo académico, entre outros. Sendo que a grande atenção de centra na IA generativa, não só pelo hype que se está a sentir e o financiamento está a ser todo canalizado para aí, mas porque é uma forma menos intrusiva de testar casos de uso. "Estou entusiasmado com a evolução do mercado, mas vamos ver como é que isto se começa a sustentar em casos de uso adotados pelo mercado nacional", reforça.
Tendo em conta a necessidade de um desenvolvimento ético e responsável nas tecnologias imersivas e da compliance com regras como as do RGPD, João Rodrigues diz que este é um tema "que todas as empresas de todos os espetros têm de ter em conta: pensar desde o início que dados vão recolher, de que forma e se estão compliance com as regras". É o que a startup já faz, embora admita que as pequenas empresas apenas começam a apostar no privacy by design apenas em 5% dos casos. Mas à medida que vão ficando mais maduras, precisam de ter atenção para resolver o problema, porque precisam de escalar a plataforma. O tema é que existe uma ‘área cinzenta', porque não existe uma autoridade que controle a situação.
Já Maria Vilar destaca os dois lados da moeda: é que se as pessoas têm direito à sua privacidade, a regulamentação europeia é tão massiva que se avança sem se saber sequer qual o impacto das tecnologias. O que, na sua perspetiva, torna a UE muito pouco competitiva face a mercados como os EUA, onde só depois de se testar se avança com a regulamentação. Defende, por isso, a necessidade de se encontrar um equilíbrio, já que "muitas vezes, do ponto de vista empresarial, somos obrigados a regulamentar sem saber qual o impacto".
PODER DAS TECNOLOGIAS IMERSIVAS
Defendendo que tem uma visão privilegiada do mercado, ao trabalhar com ativações de marca, explica que as metas dos clientes passam ou pela promoção de um produto ou serviço ou por disponibilizar uma forma diferente de experienciar a marca e em tempo real. Nestes casos, recorrem por exemplo a gamificação e realidade virtual, o que permite "às pessoas começarem a fazer associações positivas em relação à marca. É o poder das tecnologias imersivas, que nos fazem sentir como se estivéssemos naquele momento, o que faz toda a diferença".
Também o responsável da Axians refere que, em termos de papel da regulação nas boas práticas de proteção dos dados, a história mostra que nunca os governos conseguiram a tempo implementar regulação e criar mecanismos para operacionalizar a monitorização e a imposição de sanções às empresas. Embora concorde que a Europa é pouco competitiva face a toda a regulação que existe, não é por isso que as plataformas digitais não são usadas.
"Conseguir mudar hábitos e comportamentos, do ponto de vista de se entender o valor que existe numa boa política de privacidade de dados, terá se ser pelo mercado, que terá de se conseguir autodisciplinar e regular. Pela informação e o awareness que o consumidor final terá de ter na utilização de uma determinada solução", defende. Mais: "se a tecnologia é o problema, tem de ser também a solução. Os dados são guardados em bases de dados e a tecnologia que tem mais potencial para disciplinar o mercado é a blockchain pública, porque tem um novo tipo de bases de dados descentralizada. Cria um caso de uso potentíssimo, onde o gerador de dados é o dono dos dados. A blockchain consegue cumprir o requisito de base na proteção de dados".
E cita o caso do mercado de videojogos, que está a crescer a um ritmo exponencial, servindo já para dar formação, para gamificação, para resolver um caso ou criar um engagement. "Tudo que tenha a ver com as experiências de utilização imersivas são as que terão maior tração e nível de adoção", especialmente nas camadas mais jovens. Já para utilizadores de faixas etárias mais altas, que querem beneficiar do potencial da tecnologia e, ao mesmo tempo, cumprir as regras, a IA, os agentes virtuais ou os chats conversacionais estarão em destaque. E acredita que o mercado se vai autodisciplinar ao nível das preocupações éticas e de proteção e dadas.
Tendo em conta as necessidades dos clientes para a realização de uma ação de recolha de dados ou de marketing, a CEO da Immersiv Studio defende que o que é interessante para as marcas com o metaverso é "comunicar de forma diferente", disponibilizando soluções de experiências que lhes permitem ter informação em tempo real e feedback de quem participa. E quanto mais personalizada e adaptada for a experiência, mais valor terão. João Rodrigues não tem dúvidas de que, com a utilização de tecnologias imersivas o quadro de complexidade para as empresas aumenta. Mas também recolhem mais dados e métricas que lhes permitem reforçar em termos de inovação, com maior personalização e mais impacto na comunicação.
Já para o responsável da Axians, a primeira questão a colocar ao cliente é a identificação do público-alvo e a forma preferencial de chegar a ele, porque as abordagens são diferentes consoante o negócio em questão. Depois, sabendo qual é a vantagem da tecnologia, de ter um mundo imersivo similar ao mundo real, onde se pode interagir, terá de se perceber qual é o business case para se experimentar, por uma fração do custo. E "o importante é perceber as vantagens da tecnologia, a maneira como podem disrromper a forma tradicional e analógica de fazer as coisas".
Sobre o futuro da recolha de dados e do marketing no metaverso, todos admitem que é muito dificil, senão impossível de prever. Porque a velocidade a que a tecnologia evolui é enorme, tal como o mundo da inovação. EAs tecnologias trazem uma vantagem adicional: todo um conjunto de novas formas de recolher de dados em tempo real, muita riqueza em real time e perto da personalização do cliente. O futuro é cada vez mais incerto, mas vamos ver muita disrupção, sem dúvida. Temos de estar atentos aos business cases", destaca João Domingues.
"Acredito que o futuro é imersivo, quando falamos nos próximos cinco a 10 anos. Este hype que aconteceu com a IA vai acontecer com as tecnologias imersivas. A adoção está a demorar, porque temos algumas fragilidades, mas vai haver cada vez mais adoção da RA e da RV. Vamos ver cada vez mais cases studies e resolver cada vez mais problemas com impacto na nossa vida, com soluções que outras tecnologias não conseguem trazer. É tudo muito rápido e temos de estar sempre muito atentos e atualizados", antecipa Maria Vilar.
Calma e resiliência são para João Rodrigues o caminho: "as coisas não são tão rápidas como queremos. Haverá muitas mudanças externas, políticas e sociais. O futuro vai ser um misto que já temos. Só com a mudança de gerações é que vão surgir outras necessidades. Estamos cá nós, os pioneiros, para trazer estas tecnologias para o mercado de forma mais rápida".
PROGRAMA
09h30 | Boas-vindas | |
Sandra Fazenda Almeida - Diretora Executiva, APDC | ||
09h35 | Data and Marketing in the Metaverse | |
Monika Manolova - Expert in the development of systems in the sphere of international corporate telecommunications, focusing on mediation and server-side development for big data and data analytics. Monika is a scientific advisor to XRSI Europe as well as an author and contributor to multiple international publications, projects, and initiatives on the topics of AI, Ethical AI and XR. Apresentação XRSI - Europe | ||
10h00 | Debate | |
João Domingues - Innovation Manager, Axians João Rodrigues - Founder & Executive Director, Cyango Maria Vilar - CEO, Immersiv Studio; representante nacional da Euromersive Moderação: Sandra Fazenda Almeida - Diretora Executiva, APDC | ||
10h45 | Encerramento |
ORADORES