Os use cases de utilização das redes 5G nas indústrias portuária e automóvel comprovam os ganhos efetivos que a nova geração vai trazer, quer em termos de eficiência, produtividade e custos, quer de sustentabilidade e de competitividade. Mas se lá fora há já projetos relevantes no terreno, os players nacionais continuam à espera do arranque das redes 5G para poderem avançar de uma forma mais abrangente. As expetativas são muitas e todos querem ter um papel relevante a desempenhar.
Se em Portugal o processo de arranque do 5G está atrasado, aguardando-se ainda pelo lançamento do leilão de frequências, as redes da próxima geração móvel começam a surgir um pouco por todo o mundo. Depois de serem lançadas as primeiras em 2019, primeiro nos Estados Unidos e depois na Coreia do Sul, o ecossistema mundial de 5G que está a crescer rapidamente, como começa por destacar o Head of Digital Services da Ericsson Portugal, no início da Talkommunication APDC sobre o "O Futuro com 5G nas Indústrias Automóvel e Portuária".
Tendo em conta as duas vertentes da oferta - consumer e indústria - Nuno Roso considera que na fase inicial, será o consumer a beneficiar da grande largura de banda e velocidade, que vão permitir funcionalidades como a realidade virtual e aumentada e a alta definição. No caso da indústria, além da velocidade e da latência, o 5G trará 3 características que são fundamentais para que tudo funcione, principalmente em situações de mission critical. A começar pela fiabilidade da rede, da segurança, tendo em conta que haverá milhões de devices ligados, e da precisão, onde a nova geração também desempenhará um papel importante.
Para o responsável da Ericsson, o que os casos de uso na indústria automóvel revelam é que "as fábricas e a indústria 4.0 andam de mãos dadas com o 5G". Só a nova geração permite realidades como a monitorização remota de devices espalhados pela fábrica, a automação e robotização ou o traking de materiais. Ou ainda a utilização da realidade aumentada e virtual para, por exemplo, reparar máquinas remotamente.
"Tudo isto fará com que o floor de uma fábrica seja dinâmico e não rígido, permitindo que se possa adaptar às condições de mercado de forma muito mais célere, com um time to market muito superior ao que existe hoje", acrescenta.
E cita dois casos onde o grupo está envolvido, ambos na Alemanha, um com a Mercedes e a Telefonica e outro com a Vodafone e uma fábrica de carros elétricos, a e.GO. Nos dois foram criadas redes privadas 5G com um ambiente controlado e baixa latência, que abrem caminho para os autonomous guided vehicles, onde, ao invés de haver uma linha de produção sequencial, como hoje acontece, a construção do carro passa a ser feita num único local, para onde são levados todos os componentes, de forma eficiente e sem perder tempo.
Para Juan Calero González, Sales Engagement Principal da Ericsson Espanha, há quatro grandes tendências na indústria automóvel - conetividade, automatização, redefinição de modelos de negócio e eletrificação - que terá de saber passar do conceito de veículo como um objeto para o conceito de serviço. E o 5G surge como a resposta a estes desafios.
"Todas as fábricas de automóveis estão a fazer a transição de um mundo físico para o digital, começando a pensar no carro como um serviço, que o cliente usa quando quer e em qualquer lado. Com serviços iguais em todas as geografias. Há muitas aplicações e serviços possíveis num carro, sendo a conetividade não uma opção, mas um must", acrescenta.
Também nos portos, "onde tudo se move num ambiente dinâmico e altamente metálico", não podendo existir cabos para controlar máquinas, o "5G é a única tecnologia que permite uma grande fiabilidade, segurança e baixa latência", trazendo consigo um mundo de novas aplicações, explica Nuno Roso. O exemplo do Porto de Qingdao, na China, o 7º maior do mundo, é claro: agora totalmente automatizado, registou ganhos de eficiências muito grandes, com poupanças que podem ir até cerca de 70%".
Mas, tendo em conta que cada porto tem uma situação específica, terá de se perceber o potencial do 5G e aplicá-lo às necessidades concretas e com casos de uso, num trabalho que é feito em conjunto e com vários players. É exatamente isso que está a ser feito no Porto de Livorno, um dos maiores portos comerciais em Itália. No âmbito do projeto tecnológico 5G Corealis, iniciativa pan-europeia da UE para promover a transformação digital dos portos, assegurando - sustentabilidade e competitividade, este porto tem em marcha o seu processo de digitalização.
Como explica Claudio Diotallevi, Partner manager de Transport & logistics da Ericsson Itália, o objetivo foi trazer inteligência ao Porto, endereçando os desafios do desenvolvimento sustentável, da eficiência de custos, proteção do ambiente e benefícios sociais através do 5G. Foram introduzidas tecnologias inovadoras, como a IoT, realidade aumentada ou data analytics e a experiência mostra "a forma como a crescente digitalização permite alcançar os targets definidos".
"Os portos têm de ser cada vez mais competitivos e sustentáveis e, de facto, o 5G é realmente a resposta para tornar isso possível. O processo implica ainda o reforço das qualificações dos recursos humanos para poderem trabalhar com as novas tecnologias. Tem de haver um engagement nas diferentes componentes para garantir uma verdadeira transformação", acrescenta o responsável italiano. Que destaca alguns resultados: redução de 8,2% nas emissões de CO2 por operação e terminal e um aumento de produtividade entre 20% a 25%.
As preocupações e desafios dos portos nacionais não são diferentes. No Porto de Aveiro, que inclui ainda o Porto da Figueira da Foz, já se está a pensar no 5G e nas oportunidades que poderá trazer à operação. Sendo um projeto que cresceu com a indústria, o objetivo é reforçar essa aproximação, apostando-se na diferenciação, o que passa pela criação de um ecossistema que permita a implementação da tecnologia 5G, como avança Isabel Moura Ramos.
Para a Executive Board Member do Porto de Aveiro, há que ter uma estratégia de longo-prazo, que aposte nas áreas da digitalização, conetividade, descarbonização, operações inteligentes e melhoria das acessibilidades marítimas e das infraestruturas. É isso que se está a fazer, num projeto integrado, em que a gestão dos stakeholders é muito grande, assentando num relacionamento e colaboração muito próximos com todos os players. "O ecossistema está no ADN deste Porto", garante.
"Definir um roadmap para conseguir ter um smart port sustentável vai estar na linha da frente de todos os projetos de infraestruturas que vamos implementar", garante a gestora, onde os grandes desafios serão a digitalização e a descarbonização. Neste âmbito, estão já previstos 22 milhões de euros de investimento para o Porto da Figueira da Foz e de 30 milhões para Aveiro até 2023.
"O 5G não pode ser visto apenas numa lógica de automatismo de operações, é muito mais do que isso. Aos desafios que os portos têm e num ecossistema tão rico como o que o Porto de Aveiro, com a sua ligação à indústria, o nosso objetivo é sermos smart, safe e sustainables. O desafio é construir com a comunidade portuária e com a região um porto que desenhe um plano para a sustentabilidade olhando para o futuro. Acresce a segurança dos trabalhadores, onde o 5G vem mudar tudo", explica.
Em curso está já em desenvolvimento do primeiro projeto piloto 5G dos portos nacionais, com o "Mobilizer 5G", que envolve a Altice Labs e a Efacec. Pretende-se criar um sistema inteligente de controlo de passagem de nível pra os comboios que entram no Porto de Aveiro e até final do ano serão montados todos os equipamentos. O projeto será testado em março ou abril e Isabel Moura Ramos assegura que "há muitos mais automatismos que podemos criar e o objetivo é participarmos em mais projetos, construindo os primeiros passos do 5G. Temos o ecossistema ideal para sermos palco do roadmap da digitalização assente na tecnologia 5G".
Na Brisa/Via Verde já há muito que se dão passos na digitalização e na inteligência das infraestruturas e dos serviços ao cliente. E o grupo "tem-se posicionado em várias frentes com a visão dos carros autónomos que com o 5G vão ganhar outro nível de desempenho", afirma João Oliveira, destacando a sensorização das autoestradas e uma maior eficiência da gestão do tráfego e das infraestruturas, numa visão que "evoluiu nos últimos anos. Não queremos estar só focados nas infraestruturas, mas também nas pessoas", o que levou à oferta das várias aplicações que já tem disponíveis.
Para o Diretor VV Connected Cars da Via Verde, os vários projetos de connected cars já disponibilizados, vão no sentido da agregação de valor para o cliente. Por isso mesmo e porque os conceitos de "carros autónomos e carros conectados andam de mãos dadas", o grupo tem em marcha um projeto, em parceria com a Fidelidade, para a oferta de seguros telemáticos, um produto on-demand ajustado a cada caso específico.
"Estamos muito perto de fazer o lançamento comercial desta primeira abordagem da visão dos seguros telemáticos, com a monitorização da condução, um primeiro passo para os carros conectados", avança, explicando que neste momento o que se monitoriza é o condutor e todos os passos da condução, através de uma aplicação.
Mas no futuro, com o 5G e uma muito maior capacidade de recolha de informação, será possível fazer muito mais, ao colocar os veículos a conversar uns com os outros e com a infraestrutura da Brisa. Por isso, o gestor acredita que os projetos e experiências que tem vindo a promover vão acelerar exponencialmente, para muito mais rapidamente de apresentarem soluções ao mercado que acrescentam valor.
Agora, é uma questão de concretizar. O que significa no mercado nacional "fechar o processo do 5G o mais rápido possível", como deixa claro Nuno Roso. É que fabricantes, operadores e parceiros estão preparados para começar a desenvolver as redes, não havendo quaisquer problemas do ponto de vista técnico e tecnológico. Quanto mais se atrasar o arranque do 5G, mais o país se atrasará no desenvolvimento de casos de estudo, prejudicando as expetativas criadas pelos consumidores e pelas indústrias.