O trabalho em ecossistema e em colaboração é essencial quando se fala de proteção das crianças e jovens no mundo digital. As plataformas estão a fazer o seu caminho, mas a regulação na Europa surge como essencial para garantir que todos cumprem as mesmas regras no espaço europeu. Afinal, no espaço comunitário os dados são das pessoas e é isso que faz a diferença. Mas há muito por fazer num mundo online em constante mudança, onde novos perigos surgem todos os dias. A aposta na literacia digital e em formar verdadeiros cidadãos digitais é um dos caminhos apontados no mais recente Executive Breakfast APDC, em parceria com a TikTok, sobre o tema "Proteção das crianças no mundo digital: Educar, Prevenir e Regular".
"Todas as tecnologias têm coisas boas e dificuldades e isso é verdade desde que o homem começou a inventá-las. Podem ser bem ou mal-usadas e compete-nos saber como a utilizar. A resposta não é evitar usar a tecnologia, porque é imparável, mas sim saber como a usar. Por isso, educar e formar as pessoas é imprescindível. O cerne da questão é sempre como usar a tecnologia, para que sirva a humanidade e não para a prejudicar". O mote foi dado pelo Presidente da APDC, Rogério Carapuça, na abertura do evento. Onde destacou que a resposta terá de ser "como nos devemos posicionar na educação e na formação das nossas crianças e jovens num mundo que é cada vez mais digital".
O tema é complexo, quando do que se fala é garantir às crianças o direito à participação e à livre expressão e, ao mesmo tempo, segurança e privacidade. Sendo nativas digitais por definição, e interagindo permanentemente com o digital, como é que se poderá encontrar o equilíbrio certo entre liberdade digital das crianças com a proteção que lhes é devida? No debate sobre a ‘Segurança das Crianças e Jovens", tentou-se dar resposta à questão.
ONDE ESTÁ A SOLUÇÃO?
O digital e as redes sociais "abrem um mundo de oportunidades" aos mais variados níveis, desde o acesso à informação, à comunicação e educação, passando pelo lazer e entretenimento, comércio, criatividade e até mesmo de afirmação de cidadania, como começou por destacar Tito de Morais, do projeto MiudosSegurosNaNet. Para quem qualquer decisão que se tome em termos de controlo ou de proibição terá de passar sempre por ouvir sempre as crianças e jovens: o seu ponto de vista é essencial.
E alerta que isto não está a ser feito, nomeadamente no atual debate em torno da utilização do telemóvel nas escolas. "Não faz sentido. Elas querem fazer parte da solução e até têm soluções", assegura, defendendo que "o lado mau da moeda anda de mãos dadas com o lado bom". E há muitos temas a endereçar, que afetam o bem-estar físico, mental e emocional, como a utilização excessiva das tecnologias, a prevenção do cyber bulling ou violência sexual baseada em imagens, por exemplo.
Aqui, defende que, ao invés de se regular para impedir o acesso, se deveria obrigar as redes sociais a não usarem padrões que promovem a viciação na utilização e afetam as emoções. Considera também essencial o tema da literacia digital, trabalhando-se não só com as crianças e jovens, mas também com os pais e os professores.
As escolas ainda têm atualmente situações distintas, com exemplos de algumas em que já são usados unicamente manuais digitais na sala de aula, enquanto outras ainda se debatem com problemas graves de acesso à internet e falta de computadores. Filinto Lima, Presidente da ANDAEP - Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, assegura que a situação parece estar finalmente a melhorar, com o ministério da Educação a começar pelos alicerces: a instalação de novos routers, porque "sem uma rede fiável e meios digitais nada se faz".
Sobre o tema do momento, os telemóveis nas escolas e a sua utilização em contexto de sala de aula e de recreio, destaca que é há muito debatido. E não concorda com a proibição da sua utilização, mas com uma sensibilização para o bom uso. Uma discussão onde diz que devem estar envolvidos todos os alunos, assim como a sensibilização dos pais e dos professores.
Neste debate participou também Enrico Bellini, Head of Government Relations for Southern Europe da TikTok desde há cerca de três meses. Na sua perspetiva, "temos de perceber como estamos e o que precisamos de fazer. Temos regulação a cumprir, mas o tema chave é perceber o contexto". Destacando os 150 milhões de utilizadores mensais na Europa e os quase 3,5 milhões em Portugal, considera que "com o sucesso vem muito escrutínio e controlo. A regulação é normal e é bom que a sociedade siga o fenómeno das plataformas digitais".
Estas oferecem muitas oportunidades, pelo que optar por as banir não é o caminho. E, sendo o sucesso recente, teme o impacto da "regulação draconiana" que se está a implementar em alguns países, como o caso da Austrália, que pretende proibir a utilização das redes sociais por menores de 16 anos.
"Temos serviços que respondem às necessidades dos utilizadores, com plataformas de diálogo e alguma autorregulação. E muitos limites na presença de crianças e jovens. Trabalhamos com as comunidades e partilhamos a aprendizagem. Tudo depende do envolvimento e da interação e esperemos ter mais algum tempo para trabalhar em conjunto, porque há muito por fazer e tem de haver colaboração", remata.
Aliás, é nesse sentido que foi criado o projeto Clover, com o qual estão a ser instalados data centers na Europa para alojar os dados dos utilizadores europeus. O 1º, na Irlanda, já funciona desde final de 2023 e o 2º, na Noruega, deverá ficar operacional até final do ano. Para o orador, a TikTok "está a ir bastante mais longe que os seus concorrentes e a fazer o que ninguém mais faz. E o trabalho ainda não terminou", garante.
PREVENIR RISCOS, POTENCIAR BENEFICIOS
Uma iniciativa a que não está alheio o cenário regulatório comunitário. Particularmente com os recentes Digital Market Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA), que vieram impor regras apertadas para as grandes plataformas mundiais na sua operação na União Europeia. "Regulação e Legislação" foram o tema em debate no segundo painel, onde ficou claro que regular é imprescindível para combater os perigos do online, mesmo que este mundo esteja ainda em desenvolvimento e não se saiba tudo.
Aliás, a regulação do online tem de ser encarada com a mesma normalidade que a regulação do mundo físico. Porque tudo se resume a proteger os consumidores/utilizadores, sobretudo os mais vulneráveis, dos perigos que os possam ameaçar. Com a agravante que no digital são muito mais exponenciados, como começou por destacar Maria Manuel Leitão Marques, ex-membro do Parlamento Europeu (MEP).
Trata-se de garantir que "todos os utilizadores continuem a usufruir das enormes vantagens da internet, mas prevenindo os riscos. Isto faz-se em modo de ecossistema, nas escolas, na educação, nas famílias. Mas não basta. Temos de ter instrumentos mais formais, como o DSA. Pedir às grandes plataformas que elas se autorregulem, faz parte, mas não basta, porque o seu negócio é muitos utilizadores".
Para esta responsável, pode-se ouvir, discutir e interagir, mas nunca serão as crianças e jovens a decidir. "Sabemos que há perigos e é preciso identificar de forma segura o uso de certas aplicações. Provavelmente não temos ainda toda a informação e prova científica sobre os impactos negativos e positivos do uso das redes sociais e dos telemóveis. Mas há muitas áreas em que regulamos por precaução. Sabemos que pode haver riscos para a saúde e, à cautela, regulamos, tendo em conta a informação que temos", remata.
Carlos Zorrinho partilha da mesma visão. E se viveu em Bruxelas com o ‘paradoxo da regulamentação", perante um "clamor genérico de que é um excesso, causa burocracia, gera custos de contexto e asfixia", a verdade é que "a regulamentação é hoje a única vantagem competitiva da UE quando pensamos à escala global". Para o também ex-membro do PE, trata-se de "uma vantagem conceptual na defesa dos valores e propósito da Europa, com um desenvolvimento digital centrado nas pessoas. Os dados na China são do estado, nos EUA são do mercado e na Europa são das pessoas".
Por isso, considera normal aplicar, quando necessário, sanções a quem não cumpre as regras, assim como o processo de avaliação do que está a ser feito. Mas adverte que "a regulação para ser eficaz tem que ter contexto, num mundo que está cada vez mais fraturado politicamente". O que implica começar a rever estratégias, nomeadamente a Agenda 2030, onde se deverá considerar "a literacia digital um direito universal".
Mas a aplicação das regras europeias ao nível de cada estado-membro não é fácil. Incluindo em Portugal, onde a ANACOM é a autoridade competente e coordenadora dos serviços digitais, tendo a responsabilidade de supervisão da aplicação das regras do DSA. Luís Alexandre Correia, diretor-geral adjunto da Direção Geral de Informação e Inovação do regulador admite que se trata de "um desafio enorme, sobretudo do ponto de vista dos recursos financeiros e humanos", implicando ainda um novo modelo de colaboração entre um vasto conjunto de entidades.
Para o gestor, há muito pouco equilíbrio entre o volume de investimento feito pelas grandes plataformas e a capacidade financeira dos estados-membros na supervisão destas tecnológicas. Não havendo fronteiras no digital, nestes temas "só podemos ser bem-sucedidos com uma rede interconectada de entidades. Tem de ser um modelo de cooperação e colaboração, essencial para obter decisões concretas", assegura. Salientando ainda os esforços de autorregulação das próprias plataformas, que têm tentado adaptar as suas interfaces à proteção de menores.
Também Maria Manuel Leitão Marques admite que não é um processo fácil e que a colaboração é um elemento-chave. Porque tendo áreas como esta de ser harmonizadas ao nível da UE, para garantir regras iguais nos 27, terá depois de se garantir que a legislação seja uma realidade no terreno.
UMA REALIDADE PREOCUPANTE
Apesar de todas as estratégias, regulamentações e apostas, a literacia digital surge como verdadeiramente determinante quando se fala de proteção das crianças e jovens no digital, com ficou claro no último debate deste encontro, sobre "Programas de Literacia Digital". Começando por destacar a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989, e direitos como a proteção, desenvolvimento e participação, Cristina Ponte, professora da NOVA FCSH, garante que a literacia é basilar, porque só ela permite tirar partido dos benefícios e evitar os danos do digital.
Não tendo a internet sido criada a pensar nas crianças, a realidade é que pelo menos um terço dos utilizadores têm menos de 18 anos. O que coloca, na sua perspetiva, o desafio de saber "como é que as indústrias ligadas ao digital têm de garantir que existam conteúdos que sejam consistentes com a proteção e a segurança". Essa é, aliás, uma preocupação das próprias crianças.
E destaca a plataforma Crianças e Adolescentes Online (CriA.On), que resultou da iniciativa de investigadores e comunicadores de ciência e está toda em português. Destina-se a incentivar o diálogo com famílias e com profissionais de educação, de saúde e bem-estar, juristas e todos os que acompanham crianças e famílias nas suas áreas de atuação. A plataforma procura ainda incentivar a comunicação e partilha com responsáveis por políticas públicas, criadores e empresas de produtos e serviços digitais, profissionais dos media e outros públicos interessados.
Mais do que literacia digital, Manuel Garcia, gestor do Programa UPskill, diz que o que se deve é assegurar a cidadania digital das crianças e jovens. Porque, de facto, se estão a criar novos cidadãos para um mundo cada vez mais online e em permanente mudança. Por isso, tem de se ir além de apenas explicar os perigos e os impactos, promovendo-se a capacidade crítica. Sendo o UPskil um programa de ecossistema, é nessa lógica que "devemos apostar quando falamos de cidadania digital e de crianças. Temos de perceber que há fatores críticos, como conseguir trabalhar em ecossistema e ter capacidade de ensinar. O digital faz parte do dia a dia e temos de saber lidar com ele".
E a experiência da UNICEF Portugal no terreno mostra o muito que há ainda a fazer e a situação complexa e perigosa em que se encontram muitas crianças e jovens. Francisca Magano, Diretora de Políticas de Infância e Juventude diz que chegam à organização muitos casos graves que evidenciam o mau uso da internet. É por isso que o tema da literacia e cidadania digital assumem uma relevância extrema, porque o sistema de proteção tem que ser capaz de se reajustar e responder a estas novas realidades.
A solução, na perspetiva da UNICEF, não passa pela proibição pura e simples. "Todas as crianças devem poder aceder a espaços e realidades online. Quanto mais limitarmos, mais haverá a criação de contas paralelas e mundos ainda mais obscuros", alerta, salientando que há que ouvir os jovens, especialmente os que pedem ajuda. Até porque são eles que mostram preocupação com a saúde mental, os impactos da internet e redes sociais e a discriminação.
E deixa a mensagem: "é preciso ouvir as crianças e saber o que os adultos podem fazer. As famílias precisam de apoio, porque a forma de lidar com estas situações é igual às do mundo offline. As competências que são exigidas aos pais são similares. A culpa nunca é da criança e a obrigação de estarem protegidas é essencial".
EVENTOS
PROGRAMAS & INICIATIVAS
PROGRAMA
08:30 | Breakfast | |
09:00 | Welcome Message | |
Rogério Carapuça - Presidente, APDC | ||
09:05 | A SEGURANÇA DOS JOVENS (INCLUINDO BEM-ESTAR DIGITAL) | |
Tito de Morais - MíudosSegurosNaNet Enrico Bellini - Head of Government Relations for Southern Europe, TikTok Filinto Lima - Presidente da ANDAEP - Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas | ||
10:00 | REGULAÇÃO E LEGISLAÇÃO | |
Carlos Zorrinho - Ex-Membro do Parlamento Europeu (MEP) Maria Manuel Leitão Marques - Ex-Membro do Parlamento Europeu (MEP) Luís Alexandre Correia - Diretor-Geral Adjunto da Direção Geral de Informação e Inovação, ANACOM | ||
10:45 | PROGRAMAS DE LITERACIA DIGITAL | |
Francisca Magano - UNICEF Portugal Manuel Garcia - Programa UPskill Cristina Ponte - Professora, NOVA FCSH | ||
11:15 | ENCERRAMENTO Moderadora: Sandra Fazenda Almeida, Diretora Executiva, APDC |